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ANA CAROLINA E O PATINHO PINGUINHO





Enquanto Ana Carolina regava as plantinhas de seu pequeno jardim, um patinho apareceu e começou a grasnar. A menina sorriu, batizou-o de Pinguinho e disse que ele seria seu animalzinho de estimação. A mãe de Ana Carolina consentiu que ele ficasse, mas disse que ela teria que devolvê-lo se alguém fosse perguntar por ele.

Quando a noite chegou, Ana Carolina estava feliz e, ao deitar-se, adormeceu profundamente. Mas, em seu sonho, uma voz ameaçadora dizia: “Aninha, Aninha, acorde!... Venha até a floresta e devolva o meu patinho!... Ele não é do seu mundo!... Ele é fruto da magia do mago Ilusório. Ele me pediu que o guardasse. Se ele aparecer e não encontrá-lo, ficará furioso e irá à sua casa buscá-lo.”

Ana Carolina acordou, no meio da noite, assustada!... Ela levantou e foi até à cozinha verificar se Pinguinho estava dormindo na caminha que ela improvisara. Ela sorriu ao vê-lo dormindo tranquilamente e voltou para o seu quarto.

Na manhã seguinte, Pinguinho ainda estava lá. E, à noite, Ana Carolina teve o mesmo sonho. Novamente, acordou assustada e levantou-se para verificar se o mago Ilusório não tinha ido buscar o seu amiguinho. Para a felicidade da menina, ele dormia como um anjinho. Ela bocejou e pensou que também precisava voltar a dormir, porque tinha que acordar cedo para ir à escola.

Mas, dessa vez, quando Ana Carolina acordou na manhã seguinte e correu até a cozinha, ela ficou muito decepcionada ao encontrar a caminha de Pinguinho vazia. Na verdade, ela não estava completamente vazia; dentro dela, havia um bilhete que dizia: “Menina teimosa, eu lhe disse que era para devolver o meu patinho. Quando Ilusório chegou aqui ontem e não viu o presente que ele havia me dado de noivado, ficou resmungando um tempão; e, antes de ir buscar o meu patinho, ele exclamou: ‘Aquela menina atrevida!... Ela que vá procurar o seu patinho em outro lugar, porque esse patinho pertence à dona do meu coração’.”

Quando Ana Carolina terminou de ler o bilhete, ela já não estava mais chorando e pediu à sua mãe que lhe desse um patinho de presente de Natal. Ela lhe daria o nome Pinguinho e ele seria o seu animalzinho de estimação.

Apesar de sua mãe ter concordado em lhe dar o patinho no Natal, Ana Carolina passou o dia todo amuada. Àquela noite, ela não sonhou com a bruxa; mas, na tarde seguinte, um patinho apareceu em seu jardim enquanto ela regava as flores, e ninguém, até hoje, apareceu para buscá-lo.


 
(Obs.: O patinho da ilustração foi desenhado a partir de instruções contidas no livro “Draw Baby Animals”, de Jane Maday.)
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O REI DUARTE E O FLORAVE




A princesa Amélia parecia mesmo irredutível. Ela só aceitaria se casar com o rei Duarte se ele lhe entregasse um florave, em uma gaiola cravejada de diamantes. A gaiola e os diamantes não o preocupavam. O grande problema seria encontrar um florave. Ele perguntou ao homem mais sábio de seu reino: “O que é um florave?” Pensativo, o homem respondeu: “Eu não sei, Majestade. Mas talvez a feiticeira da floresta possa ajudá-lo.”

Sem perder tempo, o rei Duarte montou em seu cavalo negro e seguiu em direção à casa da feiticeira, que ficava no interior da floresta. Quando o rei perguntou à feiticeira se ela poderia ajudá-lo a encontrar um florave, eis o que ela respondeu: “Eu tenho um jardim repleto de floraves. Você pensará que são apenas flores, porque eles perderam as asas... Mas, sobre cada um deles, paira um desejo. Se você conseguir se identificar com um desses desejos e consentir que ele crie raízes em seu coração, ele se transformará em sonho. Se você souber cultivá-lo, ele ganhará asas e consistência, e você terá o seu florave.”

Visivelmente confuso, o rei perguntou: “O que devo fazer? Como posso atrair um desejo? Como posso trazer um florave de volta à vida? O que é um florave? Eu devo colher uma flor e plantá-la em um vaso? O que acontecerá se...”

Balançando a cabeça para os lados, a feiticeira exclamou: “Cale-se!... As respostas para essas perguntas não poderão ajudá-lo... Você precisa aprender a ouvir com o coração. Sente-se à sombra daquela árvore e sinta a magia que há neste jardim. É só isso!... Confie e não tente apressar e, muito mesmo, abreviar o encontro com o seu desejo. Permita que o desejo brote do fundo do seu coração, em vez de fabricá-lo com a sua mente. E, antes de tudo, tenha a convicção de que você será bem sucedido: os floraves são alegres, gentis e portadores de sorte.

Por mais de três horas, o rei Duarte ficou sentado à sombra da árvore, esperando que um desejo despertasse em seu coração. Ele já estava quase desistindo quando, de repente, o inesperado aconteceu. Ele olhou entusiasmado para a feiticeira enquanto dizia: “Eu já encontrei o meu desejo, ou foi ele quem me encontrou?!... Não importa!... O que eu mais quero é...” Para evitar que ele continuasse, a feiticeira exclamou: “Cale-se!... Do contrário, o seu desejo perderá o encanto.”

Quando o rei Duarte retornou ao castelo, já havia anoitecido. Um de seus criados foi ao seu encontro para dizer: “Majestade, eu sinto muito, mas aconteceu novamente. Aquele ladrãozinho é muito esperto!... Com esse já são três pássaros que desaparecem em menos de uma semana.” O rei perguntou: “Dentro da gaiola, havia novamente o bilhete?” Solícito, o criado entregou o bilhete ao rei enquanto dizia: “Aqui está ele. Os três bilhetes possuem os mesmos dizeres: ‘Este pássaro é livre. Vossa Majestade não tem o direito de mantê-lo trancado nesta gaiola.’”

O rei comentou pensativo: “Um ladrão não teria escrito isso. Sinta o perfume!... Eu quero descobrir quem é a mulher que está libertando os meus pássaros.” O criado balbuciou timidamente: “Eu não havia cheirado o bilhete... Eu tenho quase certeza que sei quem o escreveu. Mas, por favor, Majestade, não me obrigue a dizer o nome dela.”

O rei Duarte fixou o olhar no rosto do criado. Ele abaixou os olhos antes de dizer: “O perfume se parece muito com a fragrância que minha filha usa, e a caligrafia, depois que a observei melhor, também parece ser dela. Vossa Majestade sabe que somos pobres e jamais poderíamos...” Antes que o criado pudesse terminar a frase, o rei Duarte ordenou:  “Junte os seus pertences e desapareça!... E não se esqueça de levar sua filha com você. Mas antes traga-a aqui. Eu quero ver se ela terá a ousadia de repetir, na minha presença, o que escreveu nos bilhetes.”

O criado deixou o salão onde ficavam as aves raríssimas, que encantavam o rei com os seus cantos melodiosos. Minutos depois, Rafaela entrou e disse com altivez: “O meu pai disse que Vossa Majestade desejava falar sobre o desaparecimento dos pássaros. Sou culpada: fui eu que os libertei. Só lamento ter tido a oportunidade de libertar apenas três dessas pobres aves!...”

O rei preparava-se para dizer algo, mas deteve-se quando ouviu a moça exclamar: “Você é mesmo um bárbaro!... Foi para punir-me que ordenou que eu viesse até aqui?!...  Eu libertei uma ave, e você com sua crueldade trancafiou um florave em seu lugar!...”   Confuso, o rei Duarte olhou para a preciosa gaiola antes de dizer: “Eu não sei como essa criatura foi parar aí!... Quando você entrou, a gaiola estava vazia!... Eu consegui!... Agora poderei me casar com Amélia. Faça-me um favor: diga ao seu pai que vocês estão perdoados e peça a ele que providencie uma gaiola cravejada de diamantes. Vá logo!... Não precisa me agradecer. Vá! É uma ordem!... O que está esperando?!...”

Os olhos de Rafaela estavam colados nos olhos do rei quando ela perguntou: “O que, Vossa Majestade, pretende fazer com a gaiola?!...” Ele desviou o olhar antes de dizer: “Também me desagrada prender a criaturinha, mas é com essa finalidade que ela está aqui. O destino providenciou para que ela viesse ao meu encontro.”

 Com lágrimas nos olhos, Rafaela comentou: “Se foi o destino quem lhe entregou o florave para que Vossa Majestade pudesse provar o seu amor à princesa Amélia, ele foi duplamente cruel. Em primeiro lugar, para que os floraves continuem alegres e sejam portadores de boa sorte, eles precisam permanecer livres. E, em segundo lugar, apenas o carinho e a ternura podem provar a existência do amor verdadeiro.”

O rei surpreendeu Rafaela quando disse: “Pode abrir a gaiola e deixá-lo ir. É isso o que você deseja?...” Rafaela sorriu, e o seu olhar brilhou tanto que se tornou irresistível. Com ar travesso, ela perguntou: “Posso mesmo?!... Vossa Majestade não se importa?!...” Ela ficou ainda mais radiante quando o rei disse: “Se você aceitar se casar comigo, poderá libertar esse florave e todos os pássaros do reino. Você aceita se tornar minha rainha?!...”

Rafaela já havia aberto a porta da gaiola, e o florave já poderia ter ido embora... Mas ele resolveu ficar mais um pouquinho para presenciar o beijo que o rei Duarte e Rafaela trocaram.



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OS FLORAVES E O PORTAL DA DIMENSÃO DOS DESEJOS




Meu nome é Ânimo. Provavelmente, esta não será a única vez que você ouvirá falar sobre mim e sobre os floraves. Quem são os floraves?!... Eles são seres mágicos que vivem na dimensão dos desejos. Eles são criaturinhas gentis e travessas que vivem tentando escapar. O problema é que, sempre que um florave consegue burlar a vigilância, ele não sai de mãos vazias.  É verdade: o portal apenas se abre para quem estiver carregando um desejo. É por esse motivo que a dimensão dos desejos necessita de guardiões que protejam o portal.

Devido às fugas frequentes daqueles serezinhos, os desejos estão desaparecendo muito rapidamente e, um dia, a dimensão dos desejos deixará de existir. O mais triste de tudo isso é o desperdício!... Quando um florave foge com um desejo, ele vai direto para o mundo dos humanos e perde a sua imortalidade. Suas asas desaparecem, ele é atraído para o chão, não consegue mais se mover e, para sobreviver, ele se transforma em flor.

Como você já deve ter observado, a vida de uma flor é muito fugaz!... Naturalmente nem todas as flores já foram floraves. Mas, quando um florave que se transformou em flor deixa de existir, o desejo que ele trouxe para este mundo se desprende e sai em busca de um coração que possa acolhê-lo.  Infelizmente não se pode prever o que acontecerá a esse desejo quando ele fincar suas raízes no coração escolhido. Muitos desejos florescem!... Outros morrem.

Você poderia perguntar o que eu, Ânimo, um dos guardiões do portal da dimensão dos desejos estou fazendo aqui, nesta dimensão. Embora eu não possa interferir no destino dos floraves, e alguns pereçam juntamente com os desejos que roubaram, aqui está a boa notícia: o desejo que floresce se transforma em sonho. O sonho sobrevive quando o sonhador o acalenta; os dois se unem e se beneficiam mutuamente: o sonhador e o sonho ganham asas, e o sonho adquire consistência e volta a se transformar em um florave. Mas ele não é mais um ser irresponsável e pode atravessar livremente o portal que une as duas dimensões porque, em vez de retirar desejos da dimensão dos desejos, ele leva os desejos que ajudou a edificar no coração humano para lá. Ele não os rouba, simplesmente os compartilha. E, quando ele atinge esse estágio, se torna um guardião. Posso afirmar que isso acontece porque foi exatamente o que aconteceu comigo.

 


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ZUMBILDO E O SANGUE DO REI

Há muitos e muitos anos, existiu um reino onde havia uma quantidade absurda de pernilongos. Nas ruas, as pessoas ficavam batendo umas nas outras, ou batendo em si mesmas para evitarem que aquelas criaturinhas as mordessem. Nas casas, era comum as pessoas baterem nos móveis ou nas paredes com as mãos espalmadas!... Elas fariam qualquer coisa para se livrarem daqueles insetos!... Chegavam mesmo a comprar um veneno que o mago, conselheiro do rei, fabricava em seu laboratório. Mas o líquido, vendido em pequenos frascos, era caríssimo e garantia apenas dois ou três dias de descanso das picadas que coçavam, coçavam sem parar. Apenas os habitantes do castelo se beneficiavam da ação ininterrupta da substância que o mago havia inventado. Com o objetivo de proteger o rei, que nunca havia sido picado, o mago borrifava a solução diariamente.


A reação dos súditos aos ataques frequentes dos pernilongos, todos conheciam, mas o que todos ignoravam eram as conversas que os pernilongos mantinham quando estavam reunidos. Frequentemente, os pernilongos comentavam sobre a lenda que teve início com a coroação daquele rei que nunca havia sido picado graças à vigilância incansável do mago. Dizia a lenda que o primeiro pernilongo que conseguisse picar o rei, além de ter o privilégio de provar de seu sangue que era doce e inebriante como o vinho, também passaria a ter esse líquido precioso armazenado em seu corpo, e isso lhe daria força e poder para reinar sobre todos os pernilongos daquele reino. Muitos pernilongos corajosos, tentando conquistar a cobiçada glória, morreram intoxicados pelo veneno do mago.


Certo dia, porém, um jovem pernilongo destemido conseguiu realizar a façanha. Por algum motivo, o mago havia se esquecido de borrifar o veneno. Alguns pernilongos disseram que ele estava doente, outros disseram que ele havia se apaixonado... A verdade é que o descuido do mago entregou a Zumbildo a tão sonhada vitória. Mas essa conquista não era tão doce como os pernilongos imaginaram. Sangue é sangue, não importa nas veias de quem ele corre!... O sangue do rei não era doce e inebriante, e Zumbildo sentiu o gosto da decepção ao se lembrar de que já havia provado sangues melhores. Ele também não percebeu nenhuma mudança em sua força, não se sentia mais poderoso... Ele continuava a ser o mesmo Zumbildo de sempre: destemido graças ao seu próprio valor.



Rui Petrarca dos Anjos
(Personagem de Sisi Marques)