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O MAU HUMOR ENGRAÇADO DE BRUXALINDA


Você já viu um gato escrevendo? Eu  adquiri essa habilidade através da magia da Bruxalinda. Você deve estar se perguntando se ela era linda realmente. No conceito de beleza das bruxas, Bruxalinda era considerada belíssima!... Eu prefiro não emitir a minha opinião a esse respeito, porque sou um gato e só entendo de gatinhas. Mas não foi para falar sobre a minha vida amorosa que iniciei esta história. Quero falar sobre ela: Bruxalinda.

Eu me pergunto como aquela bruxa detestável acabou se tornando inesquecível!... A verdade é que ela era engraçada, muito engraçada!... Fazia cara de má e me cravava de ameaças terríveis, que nunca teve vontade de cumprir porque, no fundo, no fundo, ela adorava o seu gatinho de estimação!...

Você deve estar se perguntando por que Bruxalinda e eu tivemos que nos separar se parecíamos ter sido feitos um para o outro!... A resposta é simples: um gato tem sete vidas, e Bruxalinda só tinha uma. Ela ainda estaria viva se não tivesse se desentendido com a bruxa mais poderosa do vale das bruxas. E, para evitar perder as minhas outras seis preciosas vidas, depois da morte de Bruxalinda, eu tive que jurar fidelidade àquela bruxa horrenda, cujo nome não posso revelar.

Mas é melhor falarmos de assuntos mais agradáveis... Infelizmente eu só conheço um: o mau humor tão engraçado de Bruxalinda!... Nada do que ela fazia dava certo e, quando ela se zangava, eu me divertia muito com as caretas e os gestos que ela fazia!...

Bruxalinda desejava ser má, muito má!... Mas sua magia funcionava sempre de forma estranha!... A habilidade que adquiri de escrever é um exemplo disso!... Ela havia jogado um feitiço em mim que me fazia falar mais do que um papagaio e, acidentalmente, contei vários de seus segredos para uma bruxa que era muito fofoqueira e espalhou, no vale inteiro, a minha indiscrição.

Quando Bruxalinda descobriu que eu havia traído os seus segredos, sua voz estrondava fazendo com que as paredes tremessem, e o teto ameaçasse desabar: “Gato inútil!... Felino imprestável!... Só serve mesmo para trair quem o alimenta!... Foi falar de mim para aquela oportunista preguiçosa que não quer fabricar sua própria vassoura e pensa que pode montar e sair voando na vassoura dos outros!... Você, traidor, receberá uma lição: retiro de você o dom da fala para que nunca mais possa usar essa sua língua comprida para tecer calúnias!...”.

Naquele exato momento, eu perdi o dom da fala. Felizmente ainda consigo miar!... Mas eu havia me acostumado a exprimir o meu pensamento através de palavras e tive que procurar outro modo de me expressar. Foi só depois de algum tempo que descobri que o dom da fala foi substituído pelo dom da escrita.

Bruxalinda também tentou modificar a minha natureza preguiçosa, mas não conseguiu. Embora eu ainda tenha muito a dizer, se continuar escrevendo, acabarei dormindo sobre a folha, e o papel ficará todo molhado de baba. Além disso, preciso tirar um cochilo antes daquela bruxa horrorosa, cujo nome não posso dizer, chegar e me obrigar a continuar passando a limpo o seu livro de feitiços. Tchauzinho!...



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O AMOR DE CLARA PELO REI


“O que faz o coração tornar-se independente, ganhar asas e voar em direção aos seus sonhos?”, era essa a pergunta que saltitava na mente de Clara.

A rotina tornava-se cada vez mais pesada, enquanto os seus sonhos continuavam leves e perfumados. Clara amava o Rei e sonhava em casar-se com ele. Mas o Rei era profundamente egoísta e só conseguia amar a si mesmo.

Certo dia, Clara pensou que fosse desmaiar quando ouviu o Rei dizer: “As coisas não são o que parecem... Existe um sentimento trancafiado em meu peito, que eu não consigo libertar. Para conseguir o meu amor, Clara, você teria que fazer um sacrifício. Estaria disposta a isso?!... Os meus pais me disseram que, na época em que eu ainda era um bebê, um Feiticeiro se hospedou no castelo e, quando saiu, em vez de agradecer, colocou um feitiço em mim. Segundo ele, eu só conseguiria me apaixonar depois que uma jovem concordasse em viver com os olhos vendados durante um ano. Você se submeteria a esse sacrifício?...”.

Revestindo-se de coragem, Clara murmurou: “Sim. Nenhum sacrifício seria mais terrível do que a ausência do seu amor.”. O coração de Clara desfez-se em pranto no momento em que o Rei, friamente, advertiu: “Lembre-se de que não poderá retirar a venda nem mesmo por um segundo. Se você não conseguir e retirar a venda, eu terei que pedir a outra jovem que se submeta ao sacrifício.”.

Naquele instante, Clara compreendeu que, no coração do Rei, ainda não havia amor, e duas lágrimas teimaram em cair de seus olhos. Ela perguntou: “Onde está a venda?”. O Rei respondeu: “Aqui está ela. Ela é mágica e se amoldará aos seus olhos. Foi um presente do Feiticeiro.”.

Clara passou um ano inteirinho com os olhos vendados. Para fugir ao desespero, ela trazia os olhos do Rei desenhados em sua imaginação.

Finalmente, o dia de retirar a venda chegou. E Clara surpreendeu-se ao comparar os olhos que via à sua frente com os que acariciara em pensamento. Os olhos que contemplavam o seu rosto eram mais bonitos e profundos porque o amor, há tanto tempo esperado, passou a habitá-los com toda a sua intensidade.



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A MÚSICA DE DANIEL E A FADINHA


Daniel era um jovem que gostava de caminhar por lugares desertos e desconhecidos enquanto tocava a sua flauta.

Certo dia, ele atravessou um bosque e parou de tocar para contemplar uma flor reluzente. Ele se assustou quando uma fadinha apareceu debruçada na extremidade das pétalas. Olhando para ele graciosamente, ela exclamou: “Continue tocando!... Por que você parou?!... Um elfo costumava tocar para mim, mas ele se apaixonou pelo canto das sereias e se esqueceu de que eu necessito das cores que as notas musicais irradiam.”.

Encabulado, Daniel respondeu: “Eu não sei tocar... Preciso estudar Música!...”. A fadinha disse: “Isso não é verdade... Você toca muito bem!... Por favor, toque para mim!...”.

Daniel hesitou... Após alguns minutos, ele repetiu: “Eu preciso estudar Música.”.  A fadinha murmurou: “Não há tempo para isso!... Por favor, toque.”. Visivelmente inseguro, ele disse: “Eu só tocarei depois que eu estudar Música. Por que você pensa que gosto de ficar sozinho quando toco?!... Eu não sei tocar!...”.

Vendo a tristeza estampada no rosto da fadinha, ele disse: “Eu consigo tocar apenas uma parte de uma música que gosto. Eu vou praticar e, amanhã, eu volto para tocar para você.”.

A fadinha passou o dia todo esperando por Daniel, mas ele não apareceu. Quando ele foi visitá-la dois dias depois, ele afirmou novamente: “Eu só vou tocar depois que eu estudar Música. Sinto muito em não poder tocar para você.”.

Daniel ficou surpreso quando ouviu a fadinha dizer: “Você não precisa tocar, se não quiser. Eu senti sua falta e estou feliz porque você está aqui. O elfo não era meu amigo!... Ele tocava porque gostava de tocar, mas nunca se importou com a minha necessidade de ouvi-lo!...  Eu preciso dele, mas ele não precisa de mim. Você, por outro lado, se preocupa comigo e gostaria de aprender a tocar para poder tocar para mim. Do mesmo modo que as notas musicais, a sua amizade irradia luzes coloridas. Você é meu amigo.”.

Daniel sentia o ânimo renovado quando afirmou: “Amanhã, eu voltarei e tocarei para você. Provavelmente, eu não saberei tocar tão bem quanto o elfo, mas eu tocarei para você.”.

A fadinha tornou a dizer: “Você não precisa tocar... Basta que você continue sendo meu amigo.” Daniel repetiu: “Amanhã eu voltarei e tocarei para você.”.

E ele voltou, voltou e começou a tocar. No início, ele se sentia inseguro porque receava não tocar tão bem quanto o elfo. Mas, inesperadamente, a mágica aconteceu: A fadinha se encantou com a música que Daniel conseguiu extrair de sua flauta.

Ele sorriu ao ver a expressão de enlevo no rosto da fadinha e tocou, tocou como nunca havia tocado antes. O seu coração estava leve e confiante!...

A fadinha esqueceu-se da indiferença do elfo, e a música e a amizade de Daniel trouxeram luz, cores e alegria para a sua flor.



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CORACÉLIA E CORARMANDO


Célia e Armando eram vizinhos. Conheceram-se quando ainda eram crianças e estudaram na mesma escola. Se a ambição dos dois não fosse maior do que o amor que sentiam um pelo outro, eles certamente teriam se casado. ~

Coracélia, o coração de Célia, e Corarmando, o coração de Armando, sofriam com a separação. Célia e Armando, em vez de se unirem, seguiram caminhos opostos. Os dois se casaram por interesse para divorciarem-se da pobreza que tingia de cinza os seus sonhos de felicidade.

Felicidade!... Como dois corações que juraram amor eterno, não com palavras mas com a troca de olhares, poderiam ser felizes vivendo longe um do outro?!... Célia e Armando pareciam não se importar com o desamor que se instalara no lar onde cada um deles vivia. Mas os corações, desesperados, não conseguiam se conformar com a separação e choravam porque acalentavam a esperança de se reencontrarem na terra dos sonhos.  

A fada que protege os corações apaixonados não poderia ficar alheia a tamanho sofrimento... Agitando sua varinha mágica, ela pronunciou as palavras: “Coracélia e Corarmando, dois corações repletos de amor que não podem continuar habitando corpos de pedra!... Célia e Armando não merecem um coração amoroso. Cada um de vocês será substituído por um coração empedernido que possa garantir a cada um deles apenas a existência. Quanto a vocês, vivam eternamente, na terra dos sonhos, o amor que souberam nutrir e proteger!...”.

Ao contemplar o brilho de gratidão e felicidade nos olhos daqueles dois coraçõezinhos, a fada sorriu e despediu-se porque precisava providenciar a troca de corações. Desde aquele momento, Coracélia e Corarmando nunca mais se separaram e viveram felizes para sempre.