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O QUADRO E O ESPELHO NO QUARTO DA PRINCESA CLOTILDE






O rei Clóvis ouvia tristemente Ernesto, o príncipe do reino vizinho, elogiar os quadros de flores que sua filha Clotilde havia pintado. A jovem desaparecera em seu próprio quarto, e agora só restavam os quadros, as lembranças e um espelho no quarto dela, que intrigava o rei.

O rei já demonstrava sinais de cansaço quando o príncipe, antes de recolher-se, comentou: “Eu ouvi dizer que a princesa pintou outro quadro muito bonito dois dias antes de desaparecer... Eu gostaria de vê-lo, se Vossa Majestade consentisse naturalmente.”.

Com o semblante marcado pela desventura, o rei disse: “Ele está no quarto de Clotilde, na parede oposta àquele maldito espelho. A mãe de Clotilde era uma fada muito vaidosa e jamais teria consentido em envelhecer ao meu lado. Amor nenhum seria suficiente para convencê-la a abrir mão de sua imortalidade, e eu a vi atravessar o portal que o espelho revelou por alguns segundos. Eu não tive tempo de impedi-la e continuei segurando a pequena Clotilde em meus braços. Embora ela ainda fosse um bebê, eu tenho a certeza de que ela compreendeu que sua mãe havia partido para sempre.”.

Minutos depois, o príncipe Ernesto entrava no quarto da princesa Clotilde. Ao ver a sua amada imóvel, como se estivesse aprisionada pela moldura do quadro, ele murmurou: “Como fui tolo!... Eu deveria ter dito que te amava, Clotilde!... Mas isso de nada teria adiantado, porque você deve ser tão vaidosa quanto sua mãe e não permitiria que o tempo consumisse sua beleza!... Agora é tarde!... Infelizmente eu terei que conviver com essa perda, que dilacera o meu coração!”.

O príncipe continuou contemplando o quadro por mais alguns minutos. Depois, instintivamente, ele se voltou para o espelho e ordenou: “Devolva, devolva o que me roubou, ou eu o reduzirei a pedaços!... Ninguém nunca se atreveu a desobedecer minhas ordens. Você não será o primeiro!...”.

As lágrimas escorriam pelo rosto de Ernesto, e ele, pela primeira vez em sua vida, sentiu-se fraco e impotente ao compreender que não era um simples espelho que o desafiava e sim o destino... A solidão seria sua amarga e eterna companheira, porque mulher alguma conseguiria preencher o vazio que Clotilde havia deixado em seu coração. Ele sentou na cama e escondeu o rosto entre as mãos, para dar vazão ao choro.

Ernesto levantou a cabeça quando, de repente, sentiu alguém acariciando suavemente seus cabelos. Sem conseguir acreditar no que os seus olhos viam, ele murmurou: “É você, Clotilde?!... Por favor, diga que isto não é apenas um sonho!...”.

Após um doce suspiro, a princesa Clotilde revelou: “Eu não atravessei o portal do espelho porque temia envelhecer... Eu imaginei que você estivesse apaixonado por sua prima Sofia e tencionasse casar-se com ela. Eu não suportaria envelhecer ao lado de um homem que não fosse você. Eu também te amo, Ernesto, e te amarei para sempre!...”.

Ernesto, sem dizer uma só palavra, mergulhou nos olhos de Clotilde e a beijou ternamente. Depois do longo beijo, eles foram acordar o rei Clóvis, e ele se sentiu imensamente feliz com o retorno de Clotilde e com a notícia de que ela desejava se casar e envelhecer ao lado de seu amor!...









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ROSINHA E O JARDIM DAS FADAS







Na vila onde Rosinha morava, não havia uma só pessoa que não comentasse que ela era muito estranha. Todas as noites, a mãe de Rosinha trancava portas e janelas... Mas, na manhã seguinte, mesmo que estivesse chovendo, lá estava a garotinha dormindo no jardim que havia no centro da praça.

Certo dia, um antigo morador sugeriu que destruíssem o único jardim que havia na vila. Mas uma senhora, cuja opinião também sempre era respeitada, disse pausadamente: "Não creio que seja uma boa ideia... Já destruímos todos os jardins... Só restou esse... Conseguimos nos livrar da aparição constante das fadas, mas talvez elas voltem a nos incomodar se destruirmos essa última morada. Rosinha nasceu muda e não pode nos contar o que acontece todas as noites naquele jardim... É bem melhor que seja assim!... Quanto menos soubermos sobre essas criaturas minúsculas de asas, melhor!...".

E Rosinha, todas as noites, acordava e encontrava pétalas de rosa no chão, formando um tapete do seu quarto até a porta da cozinha... Ela amava as flores e não ousaria pisar em suas pétalas!... Ela apanhava a cestinha e as recolhia. As fadas também amavam as flores e sorriam quando Rosinha aparecia no jardim para devolver as pétalas. Em retribuição, elas ofereciam bolo e chá para a garotinha... E usavam as pétalas para cobrir a grama e proporcionar a ela um lugar macio e perfumado onde dormir. Rosinha adorava deitar-se naquela cama de pétalas de rosa!... Enquanto o sono não vinha, ela apreciava o canto e a dança das fadas!...

Houve uma noite em que o coração de Rosinha se entristeceu. Depois daquela noite, Rosinha nunca mais encontrou as portas abertas e o tapete de pétalas à sua espera... Rosinha chorou muito na noite em que ouviu uma das fadas dizer: "Esta será a última noite que você passará conosco. Sabemos que não somos bem-vindas nesta vila... O nosso jardim está morrendo e, mesmo que teimássemos em preservá-lo, ele acabaria sendo destruído pelos moradores, porque eles não confiam em nós e preocupam-se com a sua segurança. Você nos trouxe muita alegria e gostaríamos de ofertar-lhe um presente: feche os olhos e deseje, de todo o coração, ter uma voz tão doce e melodiosa quanto a nossa!... Agora volte para a sua casa e durma na sua própria cama. Quando você acordar, todos se surpreenderão ao ouvi-la falar e cantar. Mas eles não poderão aborrecê-la com sua enfadonha tagarelice, porque se calarão durante cem dias... Esse foi o número de jardins que eles destruíram.".





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RENAN, A VELHA SENHORA E OS MONSTRINHOS







Era uma vez um garotinho que se divertia em provocar as pessoas idosas. Ele também colocava apelidos nos colegas menores do que ele e os ofendia até fazê-los chorar.




Rosana, irmã de Renan, apenas dois anos mais velha do que ele, vivia repreendendo-o e aconselhando-o a respeitar a todos. 







Ele gostava muito da irmãzinha e prometia que se comportaria melhor. Mas ele sempre voltava a tecer ofensas, que lhe proporcionavam saborosas risadas.




Certo dia, ele estava voltando da escola e começou a prestar atenção em uma senhora idosa que caminhava lentamente e conversava com algo que havia dentro da sacola que ela carregava. Ele diminuiu o passo e virava o rosto para o lado, rindo da mulher, mas fingindo estar conversando com sua mochila.

Para a surpresa de Renan, em vez da mulher se sentir ofendida com sua atitude, ela se aproximou dele e perguntou: “Você também tem que esconder seus amigos brincalhões?!... Eu tenho três dentro da minha sacola!... Se eles caminhassem ao meu lado, só me causariam problemas. Eles parecem inofensivos, mas adoram pregar peças!... Sabe o que eles fariam com você se eu os deixasse sair?!... Eles o segurariam no ar e o carregariam até a minha casa de doces!... Lá eles manteriam essa sua boquinha ocupada, porque eles trariam mais e mais doces, e você mal teria tempo de mastigar... Eles se divertem muito em ver as pessoas comendo e comendo e comendo sem parar!...”.

Imaginando que a mulher não regulasse muito bem, Renan pensou: “É agora que vou me divertir!...”. Ele disse: “Eu adoro doces e quero comer um pedaço da sua casa!... Deixe os seus amigos me levarem até lá!...”.

Renan riu muito quando ela perguntou: “Tem certeza?!... Depois não diga que não o avisei!...”. Renan fez um sinal afirmativo com a cabeça. Mas o riso cessou, e ele começou a gritar quando três monstrinhos verdes, que pareciam feitos de geleia, saíram da sacola e o seguraram.




Rosana, que costumava ir encontrá-lo todos os dias, ouviu seus gritos e correu. Ele já estava a um metro de distância do chão, e ela encheu-se de coragem antes de saltar para alcançar seus pés. Sem saber para onde aqueles monstrinhos os conduziriam, Rosana fechou os olhos e começou a rezar.




A noite chegou, e Ricardo, o pai das crianças, estava muito preocupado. Ele as havia procurado em toda a parte, e a única coisa que ele conseguiu encontrar foi a mochila de Renan. 




Na casa de doces, Rosana implorava para a velha senhora deixá-los partir. Compadecida da insistência de Rosana, ela disse: “Menina boazinha, os seus conselhos não serviram para endireitar o seu irmão, talvez mais algumas das minhas guloseimas consigam adoçar a boca dele!... Sossegue!... Logo vocês poderão partir.”.

A velha senhora cumpriu a promessa de levá-los para casa. Mas, antes de desaparecer no céu carregada pelos três monstrinhos, ela ainda teve tempo de dizer: “Não se esqueça, garotinho, de que haverá sempre muitos doces na minha casa para adoçarem a sua boquinha!... No seu lugar, eu passaria a ouvir os conselhos de sua irmã!...”.

O pai das crianças recebeu-os de braços abertos e agradeceu à esposa falecida por tê-los protegido. Ele não acreditou em nada do que os filhos contaram. Mas ficou feliz quando as reclamações sobre o comportamento de Renan cessaram.