Há muitos e muitos anos, existiu um reino onde havia uma
quantidade absurda de pernilongos. Nas ruas, as pessoas ficavam batendo umas
nas outras, ou batendo em si mesmas para evitarem que aquelas criaturinhas as
mordessem. Nas casas, era comum as pessoas baterem nos móveis ou nas paredes
com as mãos espalmadas!... Elas fariam qualquer coisa para se livrarem daqueles
insetos!... Chegavam mesmo a comprar um veneno que o mago, conselheiro do rei,
fabricava em seu laboratório. Mas o líquido, vendido em pequenos frascos, era
caríssimo e garantia apenas dois ou três dias de descanso das picadas que
coçavam, coçavam sem parar. Apenas os habitantes do castelo se beneficiavam da
ação ininterrupta da substância que o mago havia inventado. Com o objetivo de
proteger o rei, que nunca havia sido picado, o mago borrifava a solução
diariamente.
A reação dos súditos aos ataques frequentes dos
pernilongos, todos conheciam, mas o que todos ignoravam eram as conversas que
os pernilongos mantinham quando estavam reunidos. Frequentemente, os
pernilongos comentavam sobre a lenda que teve início com a coroação daquele rei
que nunca havia sido picado graças à vigilância incansável do mago. Dizia a
lenda que o primeiro pernilongo que conseguisse picar o rei, além de ter o
privilégio de provar de seu sangue que era doce e inebriante como o vinho,
também passaria a ter esse líquido precioso armazenado em seu corpo, e isso lhe
daria força e poder para reinar sobre todos os pernilongos daquele reino.
Muitos pernilongos corajosos, tentando conquistar a cobiçada glória, morreram
intoxicados pelo veneno do mago.
Certo dia, porém, um jovem pernilongo destemido conseguiu
realizar a façanha. Por algum motivo, o mago havia se esquecido de borrifar o
veneno. Alguns pernilongos disseram que ele estava doente, outros disseram que
ele havia se apaixonado... A verdade é que o descuido do mago entregou a
Zumbildo a tão sonhada vitória. Mas essa conquista não era tão doce como os
pernilongos imaginaram. Sangue é sangue, não importa nas veias de quem ele
corre!... O sangue do rei não era doce e inebriante, e Zumbildo sentiu o gosto
da decepção ao se lembrar de que já havia provado sangues melhores. Ele também
não percebeu nenhuma mudança em sua força, não se sentia mais poderoso... Ele
continuava a ser o mesmo Zumbildo de sempre: destemido graças ao seu próprio
valor.
Rui Petrarca dos Anjos
(Personagem de Sisi Marques)
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